quarta-feira, 29 de julho de 2009

Terrorismo Moralista e Indícios de Megalomania no CQC



Eles são ótimos. Marcelo Tas tem um histórico respeitável de um jornalismo engajado (Repórter Varela), e um personagem edificante para a infância da minha geração (Prof. Tibúrcio).

Os outros moços do programa contam com uma inteligência afiada, repertório, além de serem gentis e charmosos.

O quadro Proteste Já do adorável Rafinha Bastos nos convida à democracia participativa, e tem o condão de interferir diretamente na situação política de uma comunidade. As indagações irônicas de Danilo Gentili pelos corredores do senado desvelam a ignorância e indiferença dos nossos parlamentares. Meus aplausos.

O formato do programa cativa. Humor sagaz e comprometimento social - o que diferencia de outros humorísticos de vulgaridade reiterada e apelação non sense - fizeram do programa um sucesso em poucas edições. Em suma: o potencial de esclarecimento político e denúncia é o que sustenta a peculiaridade do show.

Os guris também estão presentes nas highways virtuais da rede e contam com centenas de milhares de fãs que não poupam elogios à suas performances. Celebridades se declaram, jovens mulheres se oferecem, jovens homens se inspiram, anunciantes se dobram: CQC é merecidamente pop.

Em pouco tempo, de artistas desconhecidos eles se tornaram formadores de opinião com agendas lotadas em stand-ups em todo o país. E, como se cumprissem o destino do sucesso precoce, surgem os primeiros indícios de megalomania (ilusão de grandeza e superioridade, no caso, moral).

Há duas semanas o programa exibe um quadro, conduzido por Danilo Gentili, que tem a pretensão de denunciar e alertar sobre a pedofilia na internet.

Uma bela atriz de 24 anos se passa por uma adolescente de 15 e incita homens a conversarem com ela via msn.

A bonita não oferece resistência qualquer ao convite para iniciar uma chamada de vídeo. Aliás, essa é a indução que sustenta o quadro.

Honestamente: qual o objetivo implícito de um casal desconhecido até então, ao abrirem suas webcams? Apreciarem-se esteticamente, creio.

D´outro lado os homens constatam a beleza da manceba que declara estar sozinha em casa. Para conferir certa vitimização juvenil ela questiona:

- Você não liga de eu ter 15 anos?

Essa graciosa pergunta, parece-me, enaltece a volúpia da real vítima que desfruta aquela imagem cândida e risonha da mocinha de franja.

Parêntesis: Quem vai negar que a mídia, a moda, o mercado fonográfico, publicitário, cinematográfico tem como apelo visual a figura da adolescente? A gatinha impúbere faz parte do imaginário erótico masculino - quer queira ou não a União Brasileira dos Moralistas de Fachada*. Vide Britney Spears et alli.

Voltando: como esperado, o homem, visivelmente excitado, propõe que bela levante-se, ou dispa-se, ou averigue sua ereção...

Aí entra Gentili satirizando o frustrado homem, que rapidamente encerra a conexão.

Incautos bradam com semblante contraído: que falta de vergonha! Para mim não passa de terrorismo moralista. Explico:

1 - Uma garota de 15 anos é adolescente, não criança. É sujeito. E pasmem, queridos, conta com PLENA liberdade sexual. Até a Suprema Corte concorda. Logo, ela pode dispor de seu corpo, via web ou tactilmente falando. Negar isso é suplantar a capacidade de cognição das gurias. É presumi-las sem capacidade de entendimento sobre o sexo. Logo, não se trata de pedofilia. A demonizada expressão no quadro é equivocada e sensacionalista.

2 - Ao imputar as vítimas do quadro como pedófilos é encoberta a verdade do desejo: everybody wants the girl. E por horror à identificação (que geraria culpa), denunciam e supliciam o agente revelador do desejo. Freud, é claro, já explicou.

3 - O quadro induz, incita, instiga e excita os homens que participam dele involuntariamente. É o verdadeiro agente da suposta e imaginária infração que pretende denunciar. É o que no Direito Penal chamar-se-ia de flagrante preparado, vedado em nosso ordenamento: pois é claro, o Estado não pode punir um crime fomentado por ele. Gentili e a atriz aproximam o doce na boca da criança para depois culpá-la de desejar abocanhar a guloseima. Isso que é sacanagem.

É certa a gravidade da pedofilia real que vitimiza crianças em todo o mundo. É certo que a internet propiciou a circulação de materiais pornográficos envolvendo os pequenos, que não contam com capacidade de discernimento acerca do sexo; que não são capazes de resistir ou consentir.

Mas esse não é caso.

A popularidade do programa Custe o Que Custar devido a seu bem-vindo caráter de denúncia mostra indícios megalomaníacos ao utilizar expressões demonizadas e acusar indivíduos de algo que sequer pode ser reprovável. É esquisito um homem de 50 anos desejar uma garota que diz ter 15? Pode até ser. Mas é lícito e legítimo, posto que socialmente estimulado.

Reitero: gosto do programa, estou cativada há tempos por Marcelo Tas e agora por seus adoráveis "animais". Entretanto, o fato de gostar de algo nunca me impediu de vislumbrar ressalvas a ele.

Vida longa ao CQC, e que o sucesso advindo de seu potencial emancipatório não lhes (e nem nos) saqueie a capacidade de auto-crítica.

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*André Dahmer, cartunista e criador dos Malvados, tem uma série elucidativa chamada a União Brasileira dos Moralistas de Fachada. Como postei em meu twitter, ele fala pouco e diz muito, como sói passar com as mentes mais argutas:
www.malvados.com

Outra mini-decepção ficou por conta de um comentário (também megalomaníaco) de Tas em seu blog em que diz que Saramago é medíocre e ilegível. A inaptidão do leitor implica na desqualificação do escritor? Ainda assim, meus beijos ao Tas. Posso suportar a sua incapacidade em apreciar a deliciosa escrita do portuga.

14 comentários:

  1. Concordo com o que vc disse mas a pessoa que incita o ato sexual a um menor de idade pouco se importa se ele tem 15, 10 ou 5 anos e é este o problema. O pedófilo gosta da criança, da imagem da criança e pouco vai se importar com a idade que ela tem.

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  2. Concordo e numero, gênero e grau. Se Gentili se informasse sobre Vitimologia ele não chamaria todos de pedófilos.

    Amém Aline.

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  3. mandou bem, garota!
    belo texto, belas ideias, bela colocação...

    Chico Cardoso

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  4. Gostei do seu texto. Quem desdenha quer comprar. O demônio pedófilo nada mais é do que a projeção do recalque dos moralistas, senhores do bem.

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  5. Aqui você se escondeu então!

    Infelizmente, tenho algumas considerações. =P Vejo a pedofilia como o homossexualismo do nosso século. Crucificar o gay já é démodé; e ainda faz pensar que o Pilatos é um deles. Além disso, há o orgulho gay. Ninguém sonha, entretanto, com o orgulho pedófilo. É facinho demonizá-lo: ninguém lhe fará um pedófilo por isso e sua lisura moral se confirma. Creio que o medo não é da pedofilia em si, mas do fato de que ela participa das questões humanas, é essencialmente humana: precisamos não só evitá-la, mas evitá-la publicamente para autoafirmação, o que se faz pela demonização desse elo fraco da sociedade; fraco porque tem vergonha do que é. A mim, é perfeita tua análise!

    Mas discordamos num ponto. Creio que o CQC desde o começo apontava para essa direção. A um por ser humor de TV aberta, sujeito mais cedo ou mais tarde ao sensacionalismo, bem ao estilo do teste de fidelidade. A dois porque eles nunca esconderam essa verve moralizante, e eu não consigo conceber um moralismo que não seja de fachada. Os quadros políticos pra mim revelam antes um gerencialismo administrativo que uma atitude ideológica: o problema não é sistemático, o sistema está feito e perfeito, basta botá-lo a funcionar como pré-estabelecido - os protestos do Rafinha Bastos dão conta de contingências que são tidas por assistemáticas, e não decorrentes do próprio sistema político em que estamos. Não é de censurar, por óbvio, este quadro, mas também não é de se surpreender que uma hora ou outra apareçam excessos - moralistas - como o do Gentilli.

    Enfim, talvez a atitude mais moral seja mesmo a amoral. E o humor nonsense não seja tão apelativo assim... Monty Python ainda é melhor que CQC! =)

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  6. Eu e a grossa maioria dos homens seguimos nosso instinto de macho mais do que uma interpretação fora de contexto da lei. As lamparinas do nosso tesão (parodiando a novela) se acenderiam com uma pessoa COM CORPO DE MULHER a despeito da idade. Pelo mesmo viés, um pedófilo sentiria tesão por uma pessoa com CORPO DE CRIANÇA a despeito da idade, como acontece com alguns retardos do desenvolvimento.

    Acho que a justiça deveria ser mais tolerante com casos limítrofes, como no exemplo do programa. Pedofilia altamente questionável é ver homem barbudo penetrando em garotinhas sem os caracteres sexuais secundários desenvolvidos. Não pelo tesão dele (que nós temos os desejos mais bizarros dentro da gente e condenar o outro seria hipocrisia...), mas pela ingenuidade da criança, que ainda não tem condições de decidir por si.

    Na verdade, creio que a justiça seja ponderada. Quem não é muito tolerante é a imprensa, mas isso acontece quando convém a ela.

    e o CQC de vez em quando é tão babaquara...

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  7. Obrigada a todos pela visita e pelos comentários!

    Felipe poeta, gostei muito das suas observações. Colocou-me a pensar, e até reveria o post, diante dessas novas questões, mas prefiro abandonar o texto assim mesmo.

    Concordo quanto à expressão "moralismo de fachada". Usei para apontar os quadrinhos do Dahmer, bem ilustrativos disso tudo.

    O Monty Phyton, ah, eles são Os caras! O "non sense apelativo" referia-se àquela dupla do Pânico que se joga no chão, fala de boca cheia etc. Deveria ter sido mais clara.

    Dr. R foi direto ao ponto: da inevitabilidade do tesão, e intolerância da imprensa. Isso aí.

    Meninos, menina: beijos.

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  8. É, acho que vou ter mesmo que seguir você no Twitter. Ótimo texto.

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  9. pegou o ponto certo na crítica... mto bom!

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  10. todos nos ja sabemos que o humor apelativo é esse pessoal do Panico....

    mas concordo com voce...os caras induz, intiga o pedófilo para depois acusá-lo, acusar de que? de um crime impossível?....



    texto muito bom aline, agradabilíssimo de se ler....xero

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  11. Texto certeiro.

    A fantasia não tem limites; não somos anjos.

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  12. Wow! Muito bons textos Aline, Felipe, Dr. R.
    E viva o Monty Phyton!

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