terça-feira, 30 de junho de 2009

Dor Inútil

Resumo de Un Arte Abyecto - Ensayo sobre el gobierno de la penalidad, de Massimo Pavarini - Capítulo 3: Soñar el Desorden - Abolicionismo Singular e Plural. Tradução livre.
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Explica Massimo Pavarini, criminólogo italiano, parceiro intelectual de Alessandro Baratta, que o termo abolicionismo originalmente designava aqueles movimentos contrários à pena de morte, à tortura, à inflição de sofrimento nas instituições de sequestro (manicômios, presídios).

Diferencia ele: abolicionismo penal radical (daqueles que militam a favor da extinção de todo o sistema de sofrimento legal, o direito penal); o abolicionismo institucional (a crítica se refere ao cárcere e aos hospitais judiciários); reducionismo penal (que visa por uma drástica redução da esfera jurídico-penal, limitação racional do poder punitivo, onde se enquadram os garantistas).

Ele explica que "se pode crer e lutar pela abolição do cárcere, mas não compartilhar e inclusive opor-se a uma hipótese de abolição do direito penal. Ainda mais, se pode engajar-se por uma redução do direito penal compartilhando a convicção da importância e necessidade da justiça penal."

Critica o autor a falta de coerência interna dos abolicionistas radicais, denuncia a ausência de uma teoria do Estado substitutiva, embora não se possa refutar totalmente a assertiva de que o sistema penal é o instrumento mais brutal de controle social, inadequado para cumprir os fins que promulga e ainda, criador de conflitos (ao invés de gestor destes) ao impor um sofrimento inútil e danoso a sua selecionada clientela.

Não são ingênuos os abolicionistas radicais (Hulsman, Bianchi, Christie, etc), sabem que o objetivo de extinção do sistema penal se daria com um processo gradual de despenalização, descriminalização e desencarceramento - embora esse seja também o horizonte político buscado por quem almeja uma reforma do sistema penal. Via Ferrajoli ou não, é inegável a necessidade de redução do Sistema Penal.

E o controle disciplinar? Massimo diz estar convicto que a característica mais profunda dos abolicionistas é a obsessão disciplinar, ao contrário do que muitos pensam. A proposta é que a disciplina social, que fora expropiada pelo Estado no início da modernidade, seja devolvida à comunidade.

Para tanto seriam criados grupos responsáveis pelas mediações privadas. Medidas como o perdão da vítima, o reconhecimento da culpa, a tomada de responsabilidade pelo autor da prática danosa, a restituição do dano, seriam exemplos de mediação satisfatória. Situações conflituais complexas deveriam permanecer em aberto para amplo debate.

É a busca da repropriação da responsabilidade da sociedade civil, restaurando "as capacidades e virtudes de autorregulação dos conflitos que gozam de um amplo capital de simpatia social." (p.98)

Riscos: uma "justiça" informal envilecida e de segundo nível; juridicização das relações sociais.

Citando Shearing, Pavarini, finaliza:

"Com efeito, o restorative paradigma se oferece em troca, com o olhar aberto a todos os campos (passado e futuro). Sugere às partes em conflito reconsiderar o passado, discutir sobre o sentido de um fato histórico que quebrou um equilíbrio; mas sugere também superar juntos essa fratura, para encaminhar-se mais serenamente para o futuro." Que embora não represente um porto definitivo no Estado social de Direito possa ser "um porto no qual se possa fazer momentaneamente um descanso, em vista de continuar a recherche (a investigação)."


O autor não esgota a questão, nem intenciona trazer a lume uma resposta definitiva. A problematização está aberta. A idéia não é uma solução total, tão ao gosto dos neuróticos de plantão que a reivindicam, mas informar, questionar, repensar. Estamos com Blanchot, para quem a resposta é a desgraça da questão.

3 comentários:

  1. O final do post, com Blanchot, diz tudo, Aline: "a resposta é a desgraça da questão."
    Pensar que vamos encontrar a resposta é, certamente, o maior problema da crítica aos abolicionistas: por qual motivo deveriam ter uma teoria do Estado substitutiva? Por que a teoria do Estado dos "reducionistas" funciona?! Certamente não: além de não funcionar, gera mais violência do que evita.
    Arraigada no mito do contrato social, essa crítica, na minha leitura, peca no sentido de buscar uma simples "reforma", quando, na verdade, tenho minhas dúvidas sobre a efetividade de uma reforma. Penso que devemos ir além, que devemos nos desvincular dos pressupostos modernos de salvação, coerência, universalização, dentre outros: a busca de um novo paradigma não vai se dar pela substituição de um paradigma por outro como a crítica faz supor, pois ela parece propor algo novo com base no velho - no velho contratualismo social... Me parece justamente que o paradigma restaurativo proporciona uma radical quebra dos pressupostos modernos de Estado e de Direito. Posso estar errado, claro, mas venho pensando assim...
    O que achas?!

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  2. Concordo contigo. A idéia restaurativa rechaça o fundamento do jus puniendi; politiza a cidadania e portanto emancipa a comunidade ao reabilitar a capacidade e responsabilidade de falarem sobre seus conflitos. Abre-se a oportunidade de lidar com aquele real, num espaço de escuta e fala, ao invés de jogar tudo para o Pai-Estado-Lei.

    O Massimo fala de um outro lugar, europeu, onde a modernidade e o Estado de bem estar chegaram. Então, talvez, aquele "dever ser" clássico do qual ele não abre mão, é factível.

    Agora, se precisamos ou não de uma nova teoria do Estado, eu sinceramente não sei. Talvez nem precisemos de tanto... Mas alguma forma há de se ter. A questão está aberta, e tanto melhor quando nos inspiramos na já praticada mediação em algumas comarcas.

    Talvez essa seja a nossa tarefa, conferir algum método à restauração, sem juridiciza-la. Ninguém disse que seria fácil.

    Obrigada pela visita e pelo comentário!

    =)

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  3. De nada! Tá sendo um prazer ler os teus posts...

    Sobre essas questões, sempre que acabo buscando em outros autores o "sustentáculo" das ideias deles - para poder criar uma para mim - percebo que eles sempre voltam ao mito do contrato social, como se ele fosse indispensável ou, mais forte ainda, irrefutável!
    Claro que é algo bastante difícil de "quebrar" (acho que não conseguirei), mas me parece que, ao pensar desse modo, eu posso acabar ficando preso nas mesmas armadilhas argumentativas de sempre, que legitimam alguns tipos de violência que, penso, não mais podem ser legitimadas.
    Vejo na restaurativa uma possibilidade de romper com isso tudo, e aí vejo um potencial concreto na busca de uma possibilidade radical de efetivação de uma outra racionalidade na justiça criminal: a racionalidade ética, naturalmente.
    Enfim... essa é mais ou menos a proposta do meu projeto de tese: se eu conseguir fazer uns 50% disso, me darei por satisfeito!

    Achei excelente a tua resposta! :)

    Abs, Achutti.

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