segunda-feira, 6 de julho de 2009

Another brick in the wall


"Os alunos passam ao lado de paredes limpas. Nenhuma pichação. Não vêem vidros quebrados. Nem parece a mesma escola de dois anos atrás. A mudança começou quando os muros foram erguidos[1]."


Dez de junho de 2008. Por volta do meio-dia o telejornal diário da Rede Paranaense de Televisão, afiliada da Rede Globo no Paraná, exibe tal reportagem que espantaria um espírito minimamente atento e crítico.

Noticia-se que uma escola pública em Toledo, interior paranaense, proibiu o recreio. Pátio vazio no horário do lanche. Os professores servem a merenda na sala de aula, e controlam o horário e os grupos para ir ao banheiro.

"Não (se) tem tempo nem pros seus amigos, nem pra conversar."
Lamenta uma menina.

"A gente se sente tipo numa prisão, né. Mas, só que assim, já que é pra segurança dos alunos, tudo bem né."

Claros sinais da resignação dos estudantes.

"Eu percebo que eles estão bem mais tranquilos. Pode ver na sala de aula. Todos trabalhando, estudando, tranquilos. Sabem o seu momento de ir pro banheiro. Sabem o seu momento de pegar o lanche, e é rápido, é questão de minutos. E a gente sente uma tranquilidade melhor em trabalhar."

Diz um professor, beneficiado pela docilidade induzida. O tempo compartimentado com rigidez para alimentação e utilização do sanitário é fator central na vigília e controle, já disse Foucault.
Quando eles não sabem o momento de ir ao banheiro, o professor sabe por eles.

A medida de restrição recreativa é uma tentativa de reduzir a violência. O chefe do Núcleo Regional de Educação de Toleto diz que é momentânea, (por tempo indeterminado, esclarece) como soam ser os projetos que visem aos "problemas mais crônicos do nosso país, que eu considero como o tráfico de drogas e à violência junto as nossas crianças dentro das escolas".

Afirma que "esse projeto, ele nasceu após uma análise muito grande do processo, e também após um índice muito grande de violência que vinha sendo implantada naquela comunidade." E assim que for resolvido o problema da violência, tudo voltará à "normalidade".

Não explica como se deu essa "análise muito grande do processo". Mas essa expressão, ainda que vazia, talvez seja suficientemente convincente para os pais dos jovens daquela escola pública em Toledo.

Por suposto. Trancados em sala por cinco horas contínuas, e sob os olhares perscrutadores do professor, os adolescentes não se atrevem a gritar, pichar ou ofender os colegas. Também está restrita a socialização, a brincadeira, o ar livre. Professores e pais parecem satisfeitos com o silêncio e conformidade dos alunos.

Educação, disse Paulo Freire, só se faz com liberdade.

Identificam-se fatores desconcertantes na reportagem: reprodução do paradigma da fortaleza em salas de aula sitiadas; objetificação do espaço; supressão da fala juvenil; abolição da recreação, na ilusão de eliminar prováveis riscos; e claro, a conveniência instrumental dos partidários da medida.

Um anacronismo para os tempos pós-modernos? Ou reprodução fiel e imperfeita das notas que compõem a melodia amendrontadora do novo século?


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[1] O conteúdo textual da reportagem fora degravado pela autora. O vídeo está disponível no endereço eletrônico da Rede Paranaense de Comunicação.

3 comentários:

  1. Sempre vem aquela indagação, não é mesmo? É bom? Lógico. Mas pra quê(m)?

    Belo texto. Lembro-me de você falando sobre um trabalho seu sobre a 'abolição do recreio'.

    " - Mãe, vou pra prisão, ops, pra escola!"

    Daí quando resolverem colocar pra fora os impulsos juvenis - reprimidos logo na escola (!) -, passam do estabelecimento prisional educativo para o educativo estabelecimento prisional (leia-se: casa de correção, vulgo antiga Febem).

    É isso aí Miss...

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  2. Da sociedade disciplinar para a sociedade do controle, como disse Deleuze: retrato fiel da incapacidade dos educadores, hoje, de pensarem em alternativas para além do controle e da censura. Certamente as ideias serao limitadas e controladas - até o dia em que alguém não suportar mais, e aí a gente imagina no que vai dar...
    "The Wall Revisitado".
    Belo blog!
    Abs, Achutti.

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  3. viajei... não tinha visto o título do post antes... :P

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